Istambul é uma cidade para chegar e absorver cada azulejo, cada pedaço de história, cada pessoa que caminha nas ruas. É a cidade dos romances das “mil e uma noite”. Se me pedissem para descrever esta cidade Turca, em tempos conhecida por Constantinopla, diria que pode reacender qualquer chama de amor perdida na rotina. São as luzes, as vozes que chamam para as orações, os monumentos e a agitação das ruas contrastada com a disponibilidade dos habitantes se sentarem ao fim da tarde nos jardins. Por isto, acho que uma cidade imperdível.
Cheguei de manhã muito cedo e parecia que tinha caído numa realidade paralela. Tinha viajado durante 8 horas num autocarro de luxo, mas cheio de pessoas. Senti-me encurralada entre dois bancos. De Sofia (Bulgária) até Istambul (Turquia) durante a noite. Sem ver a paisagem e sem conseguir dormir. Istambul a cidade dos Sultões. Mas a cidade que vi era bem diferente daquilo que esperava. Uma cidade confusa, cheia de vendedores ambulantes logo pela manhã e sem alguém que falasse inglês para dar indicações. Parei numa padaria e comi um pão com queijo derretido, que parecia ser típico, mas que não percebi o nome. Fora do centro é difícil falar com os turcos, porque a maioria dos vendedores não falam inglês. O primeiro impacto foi duro, porque não tinha descansado, ninguém percebia as minhas perguntas, as ruas extremamente confusas e parecia que toda a agitação da cidade existia só para me ignorar.
Tinha decidido ficar em Sultanahamet, por se tratar da zona velha da cidade. Normalmente são as minhas preferidas, porque sente-se e respira-se a história local. Às vezes, o ranger das portas contam-nos segredos que de outras formas não saberíamos. Outras vezes, são as pessoas. Também tenho a ideia de que na parte velha das cidades, se vive mais nas ruas e por isso é mais fácil contactar pessoas. Apesar de durante o dia haver muitos turistas a visitar a Mesquita Azul, a Santa Sofia, o Topkapi, a Cisterna das 1001 Colunas e a zona do Hipódromo, com o anoitecer aquele centro é tomado pelos residentes. Saem para a rua para jogar gamão, comer um gelado ou simplesmente ficar sentado numa sombra a ver o tempo passar. Sabe bem ficar sentado nos jardins de Sultanahamet a ver as famílias a passarem, os namorados de mãos dadas e os poucos turistas que passam àquela hora. Ver as cores do entardecer que fazem com que os edifícios fiquem mais dourados, ouvir a chamada para a oração e ficar sentada apenas a imaginar como seria a vida ali, há muitos anos atrás. Comprar cerejas e ficar sentada a comê-las é um momento que dificilmente se esquece. As cerejas turcas são maravilhosas. Jantar num dos vários terraços existentes com vistas sobre Sultanahamet. Ver a Santa Sofia e a Mesquita Azul iluminados recortando o céu estrelado. Sentada em almofadas, à luz de velas e com o vento a refrescar a pele. Uma salada de sabores diferentes. E de repente, senti-me recuar no tempo. Comecei a ouvir os cânticos de ecoarem que saíam magicamente dos minaretes e fechei os olhos para saborear o momento. Antes tinha-me perdido nas ruas. Assistido a festas de casamento, escondidas por trás dos portões dos restaurantes onde se ouviam músicas árabes. Descobri um café simpático no meio de uma muralha que não servia bebidas alcoólicas, por motivos religiosos. E desci até à marginal do Mar de Marmara. Onde estavam mulheres a cozinhar em fogareiros, enquanto os homens pescavam. A marginal tem um trânsito caótico, mas é possível dar um passeio agradável e ver como é que as pessoas vivem a proximidade com o mar. Provavelmente a melhor hora para o fazer é o entardecer, porque parece que as pessoas vão para lá para fugir ao calor das casas e à agitação da cidade. Além de que as cores do pôr-do-sol dão uma perspectiva dourada às casas, tornando as vistas mais agradáveis.
Quem está em Sultanahmet chega rapidamente ao Grande Bazar. É um quarteirão cheio de lojas e vendedores na rua. Pode parar-se no cimo de uma rua e ficar a observar-se o vai-e-vém de pessoas e depara-se com um espectáculo de cores que certamente não esquecerá. Os cheiros a especiarias e chás enchem os espaços como se tivessem vida própria. Ao contrário do que se possa pensar, é um lugar limpo e asseado, com as lojas bem arrumadas. Confesso que fiquei um pouco desiludida com isso, porque parece que está demasiado arrumado para os turistas. Não confirmou a imagem que eu tinha dos bazares árabes. O espaço ocupado pelo Grande Bazar é labiríntico, mas compensa procurar a zona de cafés, e ficar ali sentado a ver a agitação do mercado. Outro dos pontos interessantes é o bazar das especiarias, com cores intensas, chás e todo o tipo de cheiros imperceptíveis ao nosso nariz pouco treinado para separar e classificar os odores. Os vendedores mostram-nos o chá do amor, os “viagras” naturais e outras substâncias para curar todo o tipo de males. São extremamente insistentes no que diz respeito a fazermos compras, mas alguns têm piada com o que dizem para cativar os turistas e é interessante parar e comprar algumas coisas para se perceber como é que funcionam. Trouxe chá tradicional de maçã. Muito saboroso. Com o Mar de Marmara e o estreito do Bósforo a água surge como uma das atracções para quem visita a cidade. Quem não tiver medo dos enjoos de andar de barco, pode optar por várias soluções.
Desde Cruzeiros pelo Bósforo, até se avistar o Mar Negro, a cruzeiros no Mar de Marmara até às Ilhas Princesa. Pode optar-se por barcos de recreio essencialmente preparados para os turistas onde se tem a possibilidade de jantar ou, optar-se pelos barcos comuns que ligam vários pontos em Istambul ou aldeias vizinhas. Optei sempre pela segunda hipótese, que apesar de não ser tão cómoda, permitia um contacto mais próximo com a cultura turca. A Sirkeci é a zona onde fica a estação onde o Expresso do Oriente finaliza a sua jornada. É igualmente onde fica o porto de embarque para qualquer uma destas soluções. Tem uma agitação de pessoas muito confusa para quem chega. Aconselho algum tempo a observar para que se consiga absorver e perceber o local. Não é fácil perceber onde é que embarca para o Bósforo ou onde se embarca para as ilhas Princesa. Não é fácil perceber os horários do transporte, nem encontrar alguém para explicar. É preciso ter paciência com os promotores das viagens de recreio que não nos deixam em paz. Mas tudo isto vale a pena, porque uma vez mais parece que a cidade vive em permanente relação com a água. Além de que as viagens pelo Bósforo são magníficas e é importante conhecer a realidade calma e parada das ilhas Princesa. O Bósforo permite ver Istambul Europeu a contrastar com Istambul Asiático. É uma viagem com vistas lindas. Alguns palácios de parar a respiração. Complexos habitacionais luxuosos. Pequenas aldeias piscatórias com um conceito diferente da grande cidade. E tons azuis da água em contraste com o verde das margens. Uma viagem comprida até se avistar o Mar Morto. Saí na última paragem do barco e deu tempo para fazer compras locais assim como beber uma cerveja na margem e fumar aquele cigarro de prazer conseguido apenas pela leveza da água. Avistam-se crianças a brincar na água, velhos a cozer redes, mulheres a oferecerem artesanato para vender. Pessoas mais simpáticas do que em Istambul. Mais rústicas.
As Ilhas Princesa oferecem a possibilidade de fazer praia e de passar umas horas num ambiente diferente da cidade. Quase não têm carros. O tempo passa devagar e pode ficar-se apenas a sentir o mar, ver Istambul ao longe e a beber qualquer coisa fresco antes de voltar a apanhar um barco de regresso para a cidade dos Sultões. É um conjunto de ilhas, com características diferentes e uma arquitectura particular, conforme o local de origem das pessoas que fazem férias em cada um dos lugares. No entanto não se tratam de uma instâncias de luxo, mas antes de vilarejos pobres. Vim embora com a imagem de uma velha árabe a acender o cigarro de manhã muito cedo enquanto tomava o pequeno-almoço num velho café de bancos baixos e de cores intensas. Com a imagem do confronto de imagens entre a Ásia e a Europa.
Vim embora com a recordação do amor mais sublime de alguém por um animal de estimação. Aconteceu numa loja. Estava a passar quando reparei no gato mais bonito que algum dia vi. Entrei, fingindo olhar para as coisas, apesar de só conseguir ver o gato. O dono da loja perguntou-me se eu pretendia comprar alguma coisa, ao que lhe respondi, em tom de brincadeira, que pretendia comprar o gato. Pegou naquela que me disse chamar-se Cármen e não a voltou a largar, falando da gata com um orgulho de pai. Não lhe tirei nenhuma fotografia e curiosamente a gata não voltou a estar na loja. Coincidência ou medo da minha cobiça. Contudo não esqueci a imagem da gata no colo de um homem adulto que parecia uma criança com o seu brinquedo predilecto. Se fechar os olhos consigo visualizar a expressão do homem árabe cheio de carinho nos seus olhos negros.
Istambul tem um número imenso de atracções. Desde os banhos turcos que infelizmente não fui, aos museus; da história gravada nas ruas, aos palácios; da zona asiática, ao porto de embarque; mas acima de tudo pela vida agitada das ruas, pelas rotinas dos seus habitantes. É um local onde facilmente nos perdemos e esquecemos a nossa vida quotidiana. Uma cidade óptima para descansar e da mesma maneira encontrar um pedaço de história do reino Bizantino e de todas as Suas riquezas. Estar na Europa e numa cidade digna das Mil e Uma Noite. Segura para os turistas, mas actualmente pouco visitada por estes. Isto traz a vantagem de se poder sentir o pulsar de outra cultura. Sim, porque Istambul apesar de ter uma parte europeia, tem uma alma cultural distante daquela que se encontra na maioria das cidades europeias.
1 comentário:
Fantástico texto! Parabéns!!! Viajei em cada linha que escreveste!
Beijinhos,
Fê Costta
Viaggio Mondo
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