sábado, 19 de dezembro de 2009

2500 km entre Buenos Aires e Rio de Janeiro [1]

O calor, a falta de descanso e o tempo que passei sentada em autocarros fizeram com que os meus pés ficassem inchados ao ponto de nenhuma das minhas sandálias me servirem. É o que acontece quando se tem 15 dias para percorrer esta distância ao sabor dos horários dos autocarros em estradas que quase sempre têm condições péssimas. Daquelas estradas que vale mais ser muito escuro para não se ver por onde se vai. No entanto, vale a pena este esforço para se poderem conhecer as maravilhas que países como a Argentina e o Brasil escondem por detrás do Atlântico.
Buenos Aires já não foi novidade. Pela segunda vez lá, reforcei a opinião de que a cidade é um charme. Desta vez dediquei-me mais ao Tango e menos a conhecer a cidade. Fui a dois restaurantes de tango. Um deles, o melhor, sem qualquer dúvida, fica já afastado do centro histórico, mas tem uma atmosfera dos anos 50. Complejo Tango é um nome a fixar para quem quiser ver dançarinos com alma de tangueiros. Antes do jantar é possível fazer uma aula de iniciação, mas se forem mulheres, tentem levar par, porque é um desiquílibrio aprender sozinha! Não sei se é porque a instrumentalidade do tango me entra pelo corpo dentro, se é por outro motivo qualquer, mas na realidade ouvir, ver e imaginar, parece que desencadeia uma série de sensações em tons de vermelho, dificéis de controlar. Sem dúvida uma experiência a repetir quantas vezes o corpo pedir. San Telmo está cada vez mais charmoso, lojas de jovens designers e uma musicalidade sempre presente.
De lá até Puerto de Iguaçu foram 16 horas de autocarro, sem qualquer hipótese de parar pelo cominho, porque pelo que parece são zonas pouco atractivas. Puerto de Iguaçu é um vilarejo pequeno e não sei porquêfiquei desiludida. Tinham-me falado demasiado bem daquela zona. No entanto quando cheguei ao parque natural do Iguaçu, comecei a sentir a grandiosidade da natureza. Foi primeira vez, na minha vida que, fiquei com os olhos cheios de água pela arte que a natureza criou. Normalmente são as pessoas que me provocam este tipo de reacções, mas ali, não sei bem o que se passou, mas o sentimento ficou a pairar no ar ao som da água a bater nas rochas. Tenho dificuldade em descrever. Imaginem uma visão que vai para além do que os olhos são capazes de fixar. Imaginem essa visão com uma vegetação selvagem e ao longe quedas de água e, mais quedas e, mais quedas. Imaginem caminhar sobre o rio até chegarem bem perto da queda mais forte, intensa e assustadora, chamada Garganta do Diabo. É magnífico. Simplesmente. Claro que podem ter a mesma experiência que eu tive e poderem ver tudo sem chuva. Para quem "Parar é Morrer", não é uma qualquer chuva torrencial que me mantém debaixo do abrigo. Coisa de loucos, mas uma experiência com muito menos turistas. Além que uma chuva assim, limpa tudo, até os pensamentos. Foi aqui que entrei num transe qualquer que me impediu de pensar nos restantes dias. A partir dali foi sempre em estado contemplativo.
Também visitei as cataratas do lado Brasileiro, mas a intensidade da experiência é menor. A única coisa que sobressai são as borboletas enormes de cores fortes.
Ilha do Mel. Tem nome de lua de mel e como dizia nas tabuletas nas praias, "Ilha do Mel combina com Lua de mel, mas use casiminha e mantenha a praia limpa"! É uma reserva natural, sem carros e com limite para 5000 pessoas, situada no estado de Santa Catarina. Percebe-se que é um paraíso para surfistas no Verão. Fiquei num hotel em frente a uma praia onde o mar parece uma lagoa. Falam de atrativos, como a gruta das encantadas ou o farol e o Forte, mas na realidade a atracção são as praias de areias brancas, os passeios pela floresta e o calor tropical, mesmo nos dias de chuva. As pessoas lá vivem numa calma controlada pelo total isolamento da civilização há distância de quarenta minutos de barco. Acredito que no verão seja animado, mas em Novembro parecia uma ilha perdida no Atlãntico, com poucos habitantes. Parecia um pouco fantasmagórica, mas com o fim de tarde a lembrar Palolém em Goa. Um bom destino para quem quer simplesmente parar. Parar de tudo: até de pensar. Parecia muito perto de Curitiba, mas desenganem-se porque são ainda 3 horas de viagem desde Curitiba.